
words grow in trees
Marina Morais
Caroline,
Fiquei sabendo hoje que você vai casar.
Essa não é uma carta de parabéns. Não entendo porque as pessoas reagem assim a casamentos. Não é um prêmio, não é uma conquista. Você não ganhou seu noivo num programa de auditório. Espero. O que eu quero de verdade, primeiro, é desejar a você os momentos mais doces e as aventuras mais belas.
Essa não é uma carta de cobrança, também. É perfeitamente compreensível que você não tenha me convidado para o seu casamento. Nós não nos falamos há sete anos. Mas, quando eu esbarrei na sua mãe e ela me disse que você estava casando, eu me vi instantaneamente rodeada de nuvens de memórias, e uma em particular se desenrolou na minha frente como um dos livros queridos que a gente tanto idolatrava. E eu tinha que perguntar.
Você lembra do domingo?
Você cresceu numa família extremamente católica que guardava os domingos para orações e família, o que era tranquilo para você. Até deixar de ser. Você não tinha permissão para sair de casa aos domingos, ou mesmo usar o telefone. Então, nós nos víamos todo santo dia, menos domingo.
E as coisas foram assim por anos. E nós nos acostumamos. Mas, quando tínhamos catorze anos, no que sua mãe escolheu acreditar ser um comum ato de rebeldia adolescente que não se repetiria, você apareceu na minha porta logo depois do almoço, em um domingo quente, mas fresco de Agosto. Ela estava certa sobre a parte do “não se repetiria”, afinal você era menor de idade e tinha que seguir as regras dela. Mas eu sabia que aquilo era um uivo de liberdade e só a primeira exibição do que se tornaria minha personalidade preferida durante anos.
Perguntei onde você queria passar aquele dia tão especial. Você disse que nunca tinha estado em nenhum outro lugar que não sua casa e a igreja todos os domingos desde que nasceu, então qualquer lugar seria novidade, não importava onde fôssemos. E acabamos no nosso local de sempre, perto do banco quebrado do parque municipal.
Nós não fazíamos a menor ideia de como seriam nossas vidas quando crescêssemos. Especialmente porque achávamos que já éramos adultas e a vida daria seu jeito, como fazia com todos os adultos do planeta. Mas havia algumas coisas sobre as quais tínhamos certeza, tanto coisas que queríamos, quanto coisas que não queríamos. Naquele dia, você decidiu que deveríamos talhá-las no banco quebrado.
O primeiro tópico era carreira, o que hoje me impressiona. Nós realmente ficamos espertas bem cedo. Todas as outras garotas da nossa idade estavam trocando livros por cartas de amor, enquanto as únicas cartas de amor que tínhamos estavam nos livros que líamos. Jane Austen e as Irmãs Brontë tiveram seus nomes talhados naquele banco também. Você não tinha certeza de como queria ganhar seu dinheiro, mas tinha que envolver música. Eu tinha um plano racional e um sonho utópico, ambos envolvendo escrita. Então talhamos uma nota musical e uma pena.
É um tanto engraçado que tenhamos acabado com o mesmo emprego, embora tão geograficamente distantes e estilisticamente diferentes. Você escreve sobre a sua amada música em uma grande cidade. Eu uso a música para praticar minha amada escrita no interior. Veja, sempre eram as pequenas coisas que nos diferenciavam em meio às nossas similaridades infinitas. Ainda é.
Você riu de mim quando falei que queria ter uma grande família. Para você, a vida era muito curta para ficar presa com crianças. Os entalhos a esse respeito ainda contam se fingirmos que o meu era seu e vice-e-versa. Você consegue me imaginar casada e com filhos? Na verdade, provavelmente sim, já que não mantivemos contato desde aqueles anos de adolescência. Eu ainda não consigo acreditar que logo você está sossegando. Ao mesmo tempo, porém, minha própria mudança de curso pode facilmente explicar a sua.
Eu queria fama, você queria dinheiro. Eu queria ser a mais sábia, você queria parecer a mais jovem. Ambas queríamos casar com o Colin Firth, mas, até onde sei, ativemo-nos a caras da nossa idade. Embora tenhamos errado em algumas dessas previsões, acertamos a maioria. E, por alguma razão, nunca mais tocamos no assunto. Talvez, no fundo, não queríamos arruinar a magia daquele domingo especial.
Não faço ideia se os entalhos continuam lá. Poxa, não sei nem se o banco quebrado continua a habitar inultilmente aquele parque. Mas a madeira era só um símbolo. As marcas foram talhadas para sempre na minha memória. Estaria mentindo se dissesse que penso nelas todo dia. Mas, aqui e ali, talvez três ou quatro vezes ao ano, surpreendo-me lembrando daquela conversa e procurando aquela menina neste meu corpo de adulta.
Sua mãe provavelmente já vai ter esquecido de ter esbarrado em mim no aeroporto quando chegar para a sua recepção, mas eu passei o voo inteiro pensando em você. Pensando naquele dia. E eu sei que a sua personalidade ainda ia figurar entre as minhas favoritas se tivéssemos mantido contato.
Você está se casando num domingo.
Tudo de bom,
May.