
words grow in trees
Marina Morais
Existem centenas de milhares de frases motivacionais, livros de autoajuda e palestras de incentivo usadas por pessoas com o objetivo de orientá-las a não se deixarem ser usadas. Eu gosto de ser usado. Ser usado me dá vida.
E nem preciso ser bem usado, vejam só. O usuário não precisa me conhecer bem, nem saber quando me usar ou, muito menos, saber reconhecer quando já me usou demais. Gosto de ser explorado à exaustão. Não correm o risco, quando me usam sem me conhecer bem antes, de me empobrecer. Usar-me na hora errada nunca me deixa incoveniente. Quando demasiadamente usado, jamais me torno arrogante.
Sou fácil, eu sei. E tenho atraído uma leva de grandes pensadores e intelectuais contemporâneos. Parece que criei uma reputação. Muitos grandes conhecedores de política via internet e convictos escritores – com título auto-atribuído a partir do número de curtidas no status do dia do Facebook – usam e abusam de mim com maestria. Com o perdão da expressão, destruidoras mesmo, viado.
Nos anos 2000, passei a me relacionar com interlocutores de conversas acaloradas em redes sociais, oradores sem credibilidade em discursos de premiação, debatedores político-sociais e, claro, colunistas da Veja. Acrescento pedigree e atraio manadas. Sou melhor que apito de boi e Whiskas sachê.
Defendo que quem tem que fazer protesto a favor de uma melhor educação pública são as crianças que se beneficiam desse tipo de ensino. Acho que mulher tem que se preservar e andar decente na rua para não ser estuprada. Abomino essa ditadura gayzista e esses petistas que querem transformar o Brasil no maior governo comunista (ou socialista, tanto faz, mesma coisa) de todos os tempos, Cuba. Também acho que o melhor caminho para a sociedade é a meritocracia e só vagabundos não concordam comigo.
Atualmente, tenho andado na companhia de uns tipos engraçados, que, como são muitos e eu não sou bom de decorar nomes, eu apelidei de K. Costumo andar com vários ao mesmo tempo. Vários, mesmo. Um atrás do outro. Quase uma orgia.
Sou uma Holly Golightly e a internet é minha Tiffany’s.
Essa vida de rodado, leviano e libertino está acabando comigo, porém. Morro aos poucos. Começo a me perguntar quem vai estar no meu funeral no dia em que eu me for de vez. Se essa clientela nova que me usa de qualquer jeito, mas me tornou popular, ou se meus fiéis cônjuges, que ainda me tratam muito bem, mas que, quando me usam, são tão discretos e precisos, que poucos percebem que sou eu.
O que me conforta é saber que ninguém vai perceber quando eu morrer. Meus novos admiradores vão continuar me usando, achando que ainda estou vivo. Os Ks todos vão continuar do meu lado. Uma necrofilia bem humorada. Morro, mas entro para a história, que nem aquele rapaz que hoje é lembrado quando precisam de um exemplo anterior de conservadorismo para descaracterizar o regime militar como uma ditadura. Óbvio que não foi uma ditadura. E óbvio que os militares devem voltar ao poder e colocar ordem nesse antro esquerdista.
Antes de morrer, gostaria de agradecer à minha amiga, Metáfora, por me ajudar a escrever esse texto. Peço também que me enterrem ao lado dos meus queridos colegas, Direitos Humanos, e que escrevam em minha lápide: “Aqui jaz um cidadão de bem”.
Abraço,
Sarcasmo.