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       Cantídio nasceu na Europa e fez faculdade nos Estados Unidos. Casou no Caribe e matriculou os dois filhos numa escola bilíngue em São Paulo. Quando passou o comando dos dezesseis shopping centers que herdara do pai para o filho mais velho – sob promessa do mesmo de não ser preso por dirigir alcoolizado mais uma vez – e comprou uma mansão para o filho mais novo, recém-reprovado pela segunda vez na OAB, Cantídio resolveu voltar para o Ceará, estado natal de sua família, e concorrer à prefeitura de Fortaleza com o slogan “gente da gente”.

       Francineide foi criada pela mãe em uma comunidade carente de Fortaleza. Aos quinze anos, teve seu primeiro filho e precisou largar o colégio para trabalhar. Aos vinte anos, porém, após cursar um supletivo no bairro, conseguiu passar no vestibular para a Federal. Apresentou trabalhos em congressos e seminários, integrou o Centro Acadêmico do curso, foi presidente do Diretório Central dos Estudantes, voluntariou-se para dar uma ajudinha no centro de recuperação e reabilitação da comunidade e não faltou a quase nenhuma ocasião especial no colégio do filho. Após cumprir um mandato de quatro anos como vereadora, Francineide foi convidada pelo partido a concorrer à prefeitura de Fortaleza, sem slogan.

          Evandro viu o pai morrer à sua frente quando tinha oito anos, atropelado por uma quatro por quatro ao tentar pedir esmola no sinal. Sua mãe veio a falecer dois anos depois, sentada numa cadeira na fila do hospital geral esperando cirurgia para um problema de saúde crônico que vinha lentamente lhe tirando as funções motoras havia um bom tempo. Os agentes de campanha de Cantídio contrataram Evandro, que trabalha vendendo chicletes, para segurar uma bandeira das seis da manhã às dez da noite no sinal onde faz ponto, prometendo pagar um salário mínimo no fim do mês e mais cem reais caso Cantídio seja eleito.

        Licínia nasceu em uma família considerada de classe média. Estudou em um colégio católico e utilizou um programa federal para conseguir pagar a faculdade particular. Diretora de uma escola pública a qual só frequenta uma vez por semana, Licínia vai à missa todos os domingos e paga um generoso dízimo todo mês. Nas reuniões com amigos e família, repete frases como “bandido bom é bandido morto”, “esses programas do governo só servem para dar dinheiro a vagabundo” e “ Deus criou Adão e Eva, não Adão e Ivo”. Na internet, Licínia utiliza seu perfil do Facebook para compartilhar tudo o que sai na página de Cantídio e se diverte com as charges de Francineide em situações obscenas que as pessoas divulgam em sites de apoio ao candidato “gente da gente”, embora nunca tenha acessado nem o programa de um, nem de outro nas suas respectivas páginas.

        Carlos é filho de dois advogados muito bem-sucedidos. Bastante ocupados, seus pais sempre o encheram de presentes e cursos, embora nunca tenham podido assistir a uma única apresentação de violoncelo com pedais eletrônicos que Carlos faz desde os catorze anos. Aluno de Música da Federal, ele participa da maioria dos fóruns e eventos políticos e culturais que acontecem na universidade, sempre dando de cara com Francineide, que faz questão de comparecer a todos. Foi expulso de casa quando os pais o pegaram fumando um baseado e ensinando um menino de rua a tocar violão na sala de estar. Com uma graninha acumulada dos shows que faz exaustivamente pela cidade de quinta a domingo, Carlos conseguiu arrumar um lugar para ficar e ainda arranja tempo para participar das rodas de conversa organizadas pelo partido de Francineide nos espaços públicos da cidade.

          Evandro, Licínia e Carlos votam na mesma sessão eleitoral. Este ano, coincidentemente, foram votar no mesmo horário. Licínia bufava a cada vez que um idoso ou uma gestante eram dados preferência na fila e o tempo todo agarrava a bolsa ao peito, com medo que Evandro, negro, ou Carlos, rastafári, fossem a assaltar. Quem acabou vindo a lhe assaltar, no entanto, foi Cantídio, que, uma vez eleito, elevou os impostos e desviou todo o dinheiro dos funcionários públicos, reduzindo seu salário a quase nada. Evandro foi expulso de seu ponto no sinal numa operação “limpa-pobreza” que o prefeito promoveu quando agentes da ONU foram participar de um evento na cidade. Carlos teve que pedir para voltar a morar com os pais, pois já não mais podia arcar com o altíssimo IPTU imposto pela prefeitura.

           Mas Carlos continua participando dos fóruns, Francineide também. Licínia reduziu o dízimo da igreja e diminuiu a velocidade da internet, mas continua repetindo os mesmos discursos e compartilhando mensagens que ressaltam sua distinção social de Evandro, que acabou caindo no tráfico, ajudando a atravessar crack e cocaína em troca de comida e um pedaço de chão para dormir.

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Marina Morais.

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