
words grow in trees
Marina Morais
Combinamos de nos encontrar no décimo degrau da Catedral de Sacre Coeur, afinal dez era nosso número mágico. Conhecemo-nos no dia dez de abril, ficamos juntos por dez dias e, agora, dez anos depois, teríamos a chance de nos ver mais uma vez, às dez horas, por dez minutos.
Desci na estação de Abbesses e perguntei a um companheiro de metrô, em meu inglês enrolado, se aquela era a estação para Montmartre. Ele praguejou algo em francês. Desculpei-me e expliquei que pensava que ele soubesse falar inglês. Ele me encarou por cerca de cinco segundos antes de responder, em um inglês melhor que o meu, que sim, aquela era a estação, e que havia um atalho especial pela escada, com alguns poucos degraus . Agradeci e fui até as escadas.
Fiquei pensando no que dizer enquanto subia. Tudo parecia tão cafona e clichê! Dei uma parada para respirar um pouco. Não tinha mais trinta anos, agora era um quarentão sedentário com princípio de reumatismo, tinha que pegar leve. Desisti de pensar em alguma coisa, ia contar com a espontaneidade.
Continuei subindo, observando os desenhos bonitos na escada. O rapaz tinha dito que eram poucos degraus, não tinha? Bom, ele era jovem, devia achar aquilo ali fichinha.
Dei mais um intervalo e olhei no relógio, faltavam dez minutos para o horário que tínhamos marcado. Sorri. Claro que faltavam dez minutos. Provavelmente dez degraus também.
Porém, chegando ao décimo degrau, dei de cara com mais um lance de escadas. Era difícil saber onde parava, sendo aquela uma escada em espiral. Mas não podia vir muito mais, àquela altura já devia ter subido uns oitenta degraus. Comecei a suar, pus as mãos nos joelhos e os fui puxando com esforço. Ainda tinha que pegar o Funiculaire até a catedral.
Fui ficando nervoso, as pernas não queriam obedecer e eu tinha certeza de que estava andando bem mais devagar do que quando comecei. Em algum momento perguntei a um companheiro que parecia saído de uma capa da Men’s Health com um guia de Paris na mão quanto ainda faltava. Ele mostrou o livro que trazia aberto. A página continha diversas pinturas sob os dizeres “saiba o que significa cada uma das pinturas de artistas locais nas escadas da estação de Abbesses, uma das mais fundas de Paris, composta de duzentos degraus.”
Quis chorar. O amigo turista disse que seu palpite era de que faltavam em torno de dez lances de escada. Dez. Desabei no chão. Ele ficou nervoso, perguntou se eu estava bem. Não consegui responder. Ele me ergueu do chão e me carregou escada acima. Cem degraus depois, estávamos no topo das escadas. Mal tive tempo de agradecer, muito menos de me sentir um lixo por ter precisado da ajuda de um Hulk Jr para chegar até ali. O relógio marcava dez horas, o que queria dizer que ela estava chegando naquele momento ao décimo degrau da catedral e que eu precisava chegar lá em menos de dez minutos.
Corri desenfreado, as pernas e a coluna gritando de dor. No pé da catedral, dezenas e dezenas de turistas se acotovelavam à espera do Funiculaire. Perguntei a um fiscal em quanto tempo eu chegaria lá em cima. Ele disse que a previsão de espera na fila era de dez minutos. Balancei a cabeça tão rápido, que fiquei tonto. Perguntei se havia outra alternativa. Ele ignorou a tentativa de suborno e apontou para o meu lado direito. Virei de costas, era mais um lance interminável de escadas.
Levei as mãos à cabeça e estava prestes a gritar, quando vi Hulk Jr chegando à fila do Funiculaire. Agarrei-o pelos dois ombros e implorei que me levasse lá em cima, era uma questão de vida ou morte. Hulk Jr abraçou a missão e também minha cintura, e lá fomos nós. Quando chegamos ao topo, saí correndo mais uma vez. Meu estado era lastimável, suando feito um porco e arrastando uma perna inutilizada àquele ponto.
Finalmente avistei a escadaria. Contei dez degraus. Olhei para o relógio. Dez horas, dez minutos e dez segundos. Virei a cabeça angustiado para os dois lados. Nada. Um menino de rua puxou minha camisa e falou meu nome. Franzi a testa e confirmei. Ele tirou um papel do bolso e me entregou.
Era um papel dobrado dez vezes, com dez corações desenhados. Levei as mãos ao rosto. Hulk Jr se aproximou e deu dois tapinhas no meu ombro. “Sinto muito, cara.”
Pedi que desse mais oito.