
words grow in trees
Marina Morais
“Mas por que a gente vai gastar papel com isso?”
Tamara olhou confusa para o filho, sentado ao pé da recém-montada árvore de natal com o laptop no colo, assistindo vídeos no YouTube.
“O Papai Noel não lê pensamentos, Sérgio. Você tem que escrever uma carta pra ele dizendo o que quer ganhar, aí ele vai se reunir com o conselho natalino pra ver se é possível dar esse presente pra você ou se vai ser preciso achar alguma outra coisa bem legal.”
“Eu sei que ele não lê pensamentos, né? Eu não sou burro. Mas por que a gente não manda um e-mail? É muito mais prático...”
Tamara olhou para aquele pedaço de gente prestes a fazer seis anos e pensou que nessa idade ela não só achava que o Papai Noel lia pensamentos, como não fazia a menor ideia do que a palavra “prático” queria dizer.
Sérgio pausou o vídeo do YouTube, cruzou os dois braços e encarou a mãe, esperando uma resposta. Tamara olhou para a folha de papel e para a caixa de giz de cera que trazia à mão e se sentiu extorquida. Alguém havia roubado a ingenuidade do seu filho e não deixara nem bilhete. Ela insistiu.
“Mas, filho, vai que o e-mail para na caixa de spam?”
“Mãe, o Papai Noel não é burro. É claro que ele vai olhar a caixa de spam.”
Sim, aparentemente ninguém era burro. Só ela.
“E se a internet dele cair, Sérgio? Melhor a gente garantir e enviar pelo correio, né?”
Boa. O menino vivia reclamando que a internet estava lenta, que a internet tinha caído, que a internet isso e aquilo. Não era possível que agora ele não concordasse com ela. A internet era, sim, burra.
“O e-mail chega na hora, mãe. Ele vai ter vários dias pra olhar. Não é possível que a internet fique tantos dias caída.”
“Mas a casa dele no Pólo Norte é muito afastada, filho. O sinal é ruim.”
“Ele pode olhar em uma lan house, né, mãe? Vai ficar salvo no e-mail, ele pode ver em qualquer lugar.”
Tamara respirou fundo e resistiu fortemente ao impulso de gritar que ela era a mãe dele e que ele tinha que obedecê-la e pronto. Tinha lido dezenas de livros de psicologia infantil na gravidez e todos repetiam a regra da manutenção do tom de voz. “Paciência é a ciência da paz”, já dizia o seu avô, que teve quatro filhos formados em faculdades de artes.
“Vamo fazer assim, então, Sérgio. A gente manda o e-mail e também escreve a carta, só por garantia. Assim, não tem como o Papai Noel não receber seu pedido!”
Sérgio olhou com seriedade para o sorriso estranho da mãe e balançou a cabeça.
“Mas e as árvores, mãe?”
“Que árvores?”
“As árvores que morreram pra gente comprar o papel.”
“Mas a gente vai tá usando o papel e honrando as árvores que morreram.”
“A gente vai usar o papel sem precisar. Aí, quando a gente precisar, a gente vai comprar outro papel e outra árvore vai ter morrido.”
Maldito século vinte e um, maldita tecnologia e maldita geração que acabou com o planeta e deixou o problema para essa geração resolver. Por que ela não tinha o direito básico de uma mãe zelosa de ajudar a escrever e depois guardar todas as cartas que o filho tinha feito para o Papai Noel?
Tamara suspirou, fechou os olhos, depois os abriu lentamente e olhou para o filho, de quem já tinha perdido a atenção e que agora sorria, hipnotizado por um novo vídeo do YouTube. Por um momento, ela se sentiu estranha e começou a divagar sobre não existirem mais crianças, e sim miniaturas de homens e mulheres com milhares de informações na cabeça se passando por crianças para não precisarem se manter financeiramente por um tempo. Sérgio provavelmente poderia montar sua própria empresa de economia sustentável e arrastar uma maleta todos os dias para o seu escritório ecológico, atendendo ligações e dando ordens. Ou melhor, respondendo e-mails e enviando memorandos via Whatsapp.
Ela foi acordada desse transe surreal por uma risada tão genuína, que contagiava o ambiente. Sérgio estava assistindo a um vídeo extremamente bobo de uma galinha ensinando a caçar minhocas. A minhoca acabava mordendo a galinha, que soltava um “cocoricó” desajeitado e assustado. Ele achou aquilo tão engraçado, que ficou voltando várias vezes o vídeo para o exato momento em que a galinha era mordida. Riu tanto, que começou a tossir. Tamara correu para a cozinha e trouxe um copo de água para o menino, que tomou tudo de uma vez só. Ele estendeu o copo para ela.
“Brigado, mamãe.”
Dessa vez, foi Tamara que ficou rindo de tolices. Ela guardou o copo na cozinha, pôs o papel de volta na gaveta da escrivaninha e a caixa de giz de cera dentro do porta-lápis. Quando voltou para a sala, Sérgio estava revendo o vídeo da galinha e rindo mais uma vez.
“Vamos escrever esse e-mail?”